Especialista vê meta de dobrar passageiros no transporte coletivo de Goiânia difícil de atingir
Para doutor em mobilidade urbana, infraestrutura sozinha não reconquista quem abandonou o transporte coletivo e a velocidade ainda é o maior entrave
8 de outubro de 2025 às 10:04
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Política
O professor Marcos Roriz Júnior, doutor em mobilidade urbana e cidades inteligentes pela Universidade Federal de Goiás (UFG), avalia que a meta do governo estadual de dobrar o número de passageiros do transporte coletivo da Grande Goiânia, de 15 para 30 milhões por mês, é muito difícil de ser alcançada sem mudanças profundas na forma como o trânsito da capital é planejado. Segundo ele, as reformas estruturais em terminais e frota melhoram o conforto dos atuais usuários, mas ainda não são suficientes para reconquistar quem abandonou o sistema nos últimos anos.
Roriz afirma que o transporte coletivo enfrenta obstáculos que não se resolvem apenas com obras físicas. “Mesmo que o governo faça sua parte em infraestrutura, há questões externas que impactam”, explica. Entre os fatores que desestimulam o uso do ônibus, ele cita o tempo de espera, a falta de fluidez no trânsito e a ausência de faixas exclusivas. “Hoje, parte significativa dos usuários tem isenção e, na primeira oportunidade, prefere o transporte privado”, diz.
Os dados recentes da Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos (CMTC) mostram que o sistema voltou a superar os níveis de demanda anteriores à pandemia, com média de 513 mil passageiros por dia em agosto. Para o professor, o aumento é modesto e indica mais uma estabilização do que um crescimento real. “Foi um movimento de estancar a queda. O sistema parou de perder usuários, mas ainda não está atraindo novos”, avalia.
Ao comentar soluções possíveis, Roriz defende uma reestruturação que vá além da renovação de frota. Ele aponta que só a adoção de faixas exclusivas e a integração entre modais podem transformar a mobilidade urbana da região. “É preciso coragem política para priorizar o transporte coletivo. Se nada for feito, o trânsito vai se tornar insustentável”, alerta o pesquisador.
LEIA A ENTREVISTA NA ÍNTEGRA COM O PROFESSOR MARCOS RORIZ, DOUTOR EM CIDADES INTELIGENTES E MOBILIDADE URBANA
Domingos Ketelbey: Professor, o governo de Goiás quer dobrar o número de passageiros do transporte coletivo da região metropolitana, passando de 15 para 30 milhões por mês até 2027. Tecnicamente, essa meta é possível?
Marcos Roriz Júnior: É muito difícil. Pode ser alcançada, mas é um número muito expressivo. O principal obstáculo é que vários dos problemas do sistema não se resolvem só com infraestrutura. Mesmo que o governo faça sua parte em obras, há fatores externos que impactam diretamente o uso do transporte.
Domingos Ketelbey: Que fatores são esses?
Marcos Roriz Júnior: Pesquisas mostram que o tempo de espera, o trânsito e a baixa fluidez desestimulam o uso do sistema. O passageiro perde tempo demais para chegar ao destino. E, quando pode, migra para o carro ou a moto, mesmo que tenha direito à gratuidade no ônibus.
Domingos Ketelbey: Ou seja, melhorar terminais e ônibus não é suficiente para atrair de volta quem deixou o sistema?
Marcos Roriz Júnior: Exatamente. Essas mudanças beneficiam quem já usa, mas não reconquistam quem abandonou o transporte coletivo. Para atrair novos passageiros, é preciso reduzir tempo de espera e aumentar a velocidade média dos ônibus. Sem isso, o sistema não se torna competitivo.
Domingos Ketelbey: Os dados da CMTC mostram que o número de usuários voltou ao patamar pré-pandemia: 513 mil passageiros por dia em agosto. O que explica esse leve aumento?
Marcos Roriz Júnior: Esse crescimento apenas estancou a queda. O sistema parou de perder usuários, mas não está ganhando novos. As melhorias atuais evitam uma nova evasão, mas não representam um crescimento real.
Domingos Ketelbey: Então o que seria necessário para o número de passageiros voltar a crescer de verdade?
Marcos Roriz Júnior: É preciso repensar o trânsito da cidade, colocar o transporte coletivo como prioridade absoluta e garantir fluidez. O ônibus precisa andar mais rápido do que o carro, ou pelo menos disputar de igual para igual.
Domingos Ketelbey: Há exemplos internacionais que poderiam inspirar Goiânia?
Marcos Roriz Júnior: Comparações diretas são difíceis. Goiânia tem uma rede metropolitana integrada com tarifa única, a pessoa pode morar em Goianira e ir a Senador Canedo pagando o mesmo bilhete. Isso torna o sistema justo socialmente, mas caro e complexo de financiar, porque envolve vários municípios. Em outros países há tarifa por zona, mas aqui seria politicamente inviável cobrar mais de quem mora na periferia. É preciso reestruturar o modelo para que todos os municípios participem de forma proporcional. Sem isso, o sistema sempre dependerá de renegociações políticas e ficará vulnerável.
Domingos Ketelbey: E a integração entre modais, como City Bus, bicicletas e ônibus? Pode ajudar?
Marcos Roriz Júnior: A integração é essencial, mas sozinha não resolve. É preciso que o transporte coletivo seja o eixo do planejamento urbano, com faixas exclusivas e metas de velocidade média iguais ou superiores às do carro particular.
Domingos Ketelbey: Isso exige decisão política, certo?
Marcos Roriz Júnior: Sim. Priorizar faixas exclusivas implica enfrentar resistências de motoristas e comerciantes. Mas sem isso, o trânsito de Goiânia vai parar.
Domingos Ketelbey: O governo tem falado em metronização, um tipo de metrô sem trilhos. Como o senhor avalia essa proposta?
Marcos Roriz Júnior: A metronização usa tecnologia de semáforos inteligentes e sensores para simular o metrô, com alta frequência e prioridade nas vias. É mais barata que um metrô convencional, mas ainda tem custo elevado. Repare que em Goiânia, ela só é viável em trechos curtos, como da Praça da Bíblia ao Novo Mundo.
Domingos Ketelbey: Faltam recursos ou vontade política para expandir esse modelo?
Marcos Roriz Júnior: Faltam os dois. É preciso financiamento robusto e coordenação entre os municípios da região metropolitana. Sem isso, qualquer projeto de grande escala fica limitado.
Domingos Ketelbey: As reformas no Eixo Anhanguera já são percebidas pelos usuários como melhoria?
Marcos Roriz Júnior: Parcialmente. Quem usa sente alguma melhora, mas quem está fora do sistema continua vendo o transporte coletivo como ruim. As obras melhoram o humor do usuário que já utiliza o transporte coletivo no dia-a-dia, mas não resolvem o problema central: a lentidão das viagens. Na prática, essas reformas são boas o usuário, isso é inegável, mas não são suficientes para fazer quem tem carro passe a utilizar o transporte.
Domingos Ketelbey: Então, o que de fato faria diferença?
Marcos Roriz Júnior: Só a ampliação de faixas exclusivas e a metronização podem aumentar a velocidade operacional. Veja bem: a velocidade média de um ônibus varia entre 15km/h a 25km/h. É impossível você comparar o tempo de viagem de um ônibus com um carro de passeio. Imagine um pai ou mãe que tem que se deslocar em menos uma hora para sair do trabalho e buscar os filhos na escola. Dificilmente, ele vai deixar o carro em casa para fazer de ônibus.
Domingos Ketelbey: O senhor acredita que existe disposição real para enfrentar esses entraves políticos?
Marcos Roriz Júnior: A criação de faixas exclusivas no Eixo Anhanguera foi mais fácil porque as vias já eram segregadas. Expandir para outras áreas exigirá enfrentar resistências, mas se nada for feito o caos viário é inevitável. As empresas têm investido em tecnologia e o governo em infraestrutura, mas falta coragem política para colocar o transporte coletivo em primeiro lugar.

Domingos Ketelbey
É repórter, colunista e apresentador. Conecta os bastidores do poder, cultura e cotidiano na cobertura jornalística
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