Ricardo Balestreri em entrevista a Domingos Ketelbey

Ricardo Balestreri em entrevista ao jornalista Domingos Ketelbey, editor do Blog do DK

Ricardo Balestreri em entrevista a Domingos Ketelbey

Ricardo Balestreri em entrevista ao jornalista Domingos Ketelbey, editor do Blog do DK

Ricardo Balestreri em entrevista a Domingos Ketelbey

Ricardo Balestreri em entrevista ao jornalista Domingos Ketelbey, editor do Blog do DK

Ricardo Balestreri em entrevista a Domingos Ketelbey

Ricardo Balestreri em entrevista ao jornalista Domingos Ketelbey, editor do Blog do DK

“Segurança pública virou espetáculo e palco para narrativa política”, destaca ex-secretário de Segurança de Goiás

“Segurança pública virou espetáculo e palco para narrativa política”, destaca ex-secretário de Segurança de Goiás

Balestreri critica operações de confronto e defende inteligência e presença do Estado

20 de novembro de 2025 às 15:07

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Segurança Pública

Tiros, manchetes e palanque. A cena se repete há mais de quarenta anos: o Estado entra em comunidades pobres para matar, sai sem ficar, e dias depois o crime já retomou o controle. Para o professor Ricardo Balestreri, que já comandou a segurança pública em Goiás e também na esfera federal, o crime organizado virou um palco de espetáculo midiático e aposta eleitoral. O assunto sensível, que de acordo com o especialista, merece atenção dobrada à margem da polarização, virou palco de espetáculo midiático e aposta eleitoral. E deve ser o centro do debate nas eleições de 2026.

A conversa com Balestreri em uma entrevista exclusiva com o Blog do DK, aconteceu em Goiânia, durante o Congresso da Cobrapol promovido pelo Sinpol-GO, e teve como pano de fundo a operação policial realizada no Rio de Janeiro no último dia 28 de outubro, marcada por mais de uma centena de mortes, além da PEC da Segurança Pública em tramitação no Congresso Nacional.

Balestreri classifica a lógica dessas operações como “pirotecnia política” e defendeu que segurança pública de verdade não se faz com espetáculo, mas com presença permanente do Estado e inteligência. “O Estado entra, mata, sai: e o território continua nas mãos do crime.”

Balestreri critica o que chama de “cortina de fumaça” que faz a população acreditar que a repressão na base da pirâmide resolve algo, quando os grandes chefes do crime seguem operando com logística, dinheiro e influência política. “É mais fácil mirar no pé de chinelo do que subir até a cobertura”, ironiza. Para ele, o crime se alimenta da ausência do Estado e da economia da desigualdade. “Onde há vida digna, o crime não domina.”

Na entrevista, ele também defende a PEC da Segurança Pública, rebate as críticas de governadores e faz um chamado à seriedade no debate. “O povo quer segurança, não propaganda. E segurança não se faz com bravata.” Abaixo, você confere a íntegra da entrevista.

Leia abaixo a entrevista na íntegra com Ricardo Balestreri

Blog do DK: Professor, o senhor costuma dizer que a segurança pública é um tema mal compreendido no Brasil. Por quê?

Ricardo Balestreri: Me permita introduzir a oportunidade que a gente tem de trazer reflexões mais aprofundadas sobre essa pauta da segurança pública, né? Que parece uma pauta fácil, mas não é fácil. As análises gerais sobre segurança pública no Brasil são muito rasas, a gente fica só na superfície e dificilmente acaba desmembrando o problema em várias partes para analisar essas partes e perceber o que seria mais eficaz. Esse momento que estamos vivendo, que é pré-eleitoral, é muito suscetível a todos os tipos de populismo. Segurança pública é um tema difícil de compreender pelo conjunto da população.

Blog do DK: E qual o papel do crime organizado hoje nessa equação?

Ricardo Balestreri: O crime hoje é uma indústria extremamente sofisticada. No Brasil, é a terceira atividade econômica mais importante no campo empreendedor, vamos dizer assim. É a Petrobras em primeiro lugar, a JBS em segundo, depois é o crime organizado. Muitas vezes, a gente tenta entender o crime e pensar em formas de resolver o crime de forma simplista, romântica, equivocada. Não há nenhuma dúvida que a gente precisa combater o crime em qualquer classe social. Mas é uma ilusão achar que combater o crime na base da pirâmide resolve alguma coisa. E não resolve nada.

Blog do DK: O senhor tem críticas duras às chamadas megaoperações...

Ricardo Balestreri: Começaram na década de 90. São essas invasões espetaculares com forças armadas, tiroteio, mortes. A população, por desconhecer a complexidade do tema, acha que isso resolve. Mas não resolve nada. Não estou dizendo que o bandido pé de chinelo não deve ser combatido, eles infernizam a vida da população. Mas do ponto de vista de gestão científica da segurança, esse combate no térreo não resolve. São 40 anos fazendo isso.

Blog do DK: E quem é o responsável por manter esse modelo?

Ricardo Balestreri: As polícias entram, fazem o espetáculo, iludem a opinião pública. A culpa não é das polícias, são os políticos que usam a polícia para fazer autorismo. Policiais morrem, inocentes morrem, e os moradores das favelas são tratados como dano colateral. Quando morre um inocente, a autoridade diz: “isso é um dano colateral”. E transforma vidas em estatística.

Blog do DK: O senhor rejeita também a retórica da “guerra ao crime”. Por quê?

Ricardo Balestreri: Isso é muito explorado e mal compreendido. O Brasil tem mais homicídios por ano do que muitas guerras. E isso é usado por políticos populistas para instaurar um clima de guerra, porque na guerra vale tudo. Não tem ética, não tem limite. Matar inocente passa a ser aceitável. Isso legitima o combate acrítico, desinteligente, que não dá resultado. Se matar resolvesse, o Rio seria um paraíso da segurança pública. E o que vemos é o contrário.

Blog do DK: E por que essa lógica persiste?

Ricardo Balestreri: Porque gera imagem. Usa-se o policial como linha de frente de um espetáculo político. Mandam para a “guerra” sabendo que não há entrega real. Um tiro de fuzil atravessa paredes, mata gente dentro de casa. Já tivemos gente baleada a 2 km de distância de onde acontecia a troca de tiros. Isso não é solução.

Blog do DK: E o que o senhor propõe no lugar disso?

Ricardo Balestreri: Se a gente fosse uma empresa, teríamos que perguntar: quais entregas fizemos em 40 anos dessa política? Nenhuma. Só piorou. Para mudar, temos que parar o fluxo econômico do crime. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o crime movimenta R$ 348 bilhões por ano. Isso é mais do que a Vale ou a Coca-Cola mundial.

Blog do DK: E por que seguimos focando no “bandido pé-de-chinelo”?

Ricardo Balestreri: Porque é mais fácil mirar no pé de chinelo do que subir para a cobertura. A população acha que a repressão no morro vai resolver, mas não vai. Semana seguinte, os bandidos voltaram. Apreende-se 100 armas, três meses depois há 300. Troca-se um “soldado” por outro. O Estado entra para fazer operação, não para fazer policiamento. Operação é para pobre. Policiamento é o que tem a classe média.

Blog do DK: O “pé-de-chinelo” é morto nessas operações, mas na semana seguinte, os comandantes do crime já os substituem?

Ricardo Balestreri: Sim. Mesmo que a maioria dos pobres seja honesta, como o Brasil é um país majoritariamente pobre, em termos absolutos há milhares de jovens vulneráveis, fora da escola, sem trabalho, sem perspectiva. Não estamos romantizando e nem passando pano para esse tipo de situação, mas isso acaba formando um exército de reserva do crime. Mata-se 100 hoje, e na semana seguinte os postos já estão ocupados.

Blog do DK: E o que fazer para romper esse ciclo?

Ricardo Balestreri: Oferecer alternativa. Não estou romantizando bandido. Mas se o menino de 15 anos não tem onde trabalhar e o crime oferece R$ 800 por semana, com “plano de carreira”, o que você acha que vai acontecer? Se não houver oportunidade, ele entra por necessidade e escolha. E o crime nunca acaba.

Blog do DK: O senhor também defende a PEC da Segurança Pública. Por quê?

Ricardo Balestreri: Porque ela propõe a unificação dos sistemas de inteligência. Mas alguns governadores fazem oposição politiqueira. Dizem que a União quer invadir competências dos estados. Isso é falso. A União coordena o pacto federativo. Goiás, por exemplo, não é uma república independente. É parte de um sistema.

Blog do DK: E quanto ao projeto antifacções?

Ricardo Balestreri: Vai na direção certa: agrava penas, permite infiltração, cria empresas fantasmas, bloqueia bens do crime. A direita sempre defendeu essas pautas. Mas agora que estão sendo propostas por um governo de centro-esquerda, preferem boicotar. Isso é colocar interesse político acima do interesse nacional.

Blog do DK: A segurança pública será pauta central nas eleições de 2026?

Ricardo Balestreri: Sem dúvida. Essa operação no Rio foi mais política do que de segurança. A extrema-direita precisa recuperar apoio popular. E sabe que segurança mobiliza. A população está tiranizada pelo crime, quer respostas. E vê na operação uma ação. Mas é ilusão. Nenhum dos alvos centrais foi preso. Só os soldados. Mas o governador sobe nas pesquisas.

Blog do DK: O senhor vê risco de uma nova onda populista em torno do tema?

Ricardo Balestreri: Já estamos nela. A proposta da extrema-direita é conhecida: tiro, porrada e bomba. Mas são 40 anos de fracasso. Está na hora de parar com bravata. Segurança pública se faz com inteligência, com presença permanente nos territórios e com vida digna para as pessoas.

Blog do DK: E em Goiás? O senhor já foi secretário. O que acha da atual gestão tocada pelo governador Ronaldo Caiado?

Ricardo Balestreri: Primeiro, uma homenagem à polícia de Goiás: brava, competente. Mas o governador dizendo que o crime acabou é ridículo. O crime não acabou em lugar nenhum do mundo. Se tivesse acabado, viriam estudar Goiás como milagre global. Além disso, há indícios de grande rede de processamento de cocaína no estado. Se quer apresentar dados, que apresente com metodologia clara, auditável, aberta à comunidade científica e à imprensa.

Blog do DK: E o que ainda pode ser feito?

Ricardo Balestreri: Colocar o dedo na ferida. Nenhum estado está bem em segurança pública. Temos que parar de mentir. Não se trata de ideologia, mas de compromisso com a vida. Onde há vida digna, o crime não domina.



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Domingos Ketelbey

É repórter, colunista e apresentador. Conecta os bastidores do poder, cultura e cotidiano na cobertura jornalística

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