Decisão atende pedido da PF após convocação de vigília por Flávio Bolsonaro
22 de novembro de 2025 às 08:16
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Política
O Brasil amanheceu em sobressalto neste sábado (22). Para o bolsonarismo, lágrimas e revolta. Para sua oposição, fogos de artifício. Às 6 da manhã, o ex-presidente Jair Bolsonaro deixou a condição de réu condenado e entrou na de detento. Não pela tentativa de golpe que lhe rendeu 27 anos e 3 meses de prisão, mas por uma medida cautelar autorizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O estopim não veio de uma nova decisão judicial, e sim de um gesto político do senador Flávio Bolsonaro (PL). Na véspera, o filho do capitão conclamou militantes a fazer uma vigília em frente ao condomínio do pai. Para a Polícia Federal, era o suficiente para acionar o alerta vermelho.
A corporação avaliou risco real para policiais e apoiadores e pediu ao STF que convertesse a prisão domiciliar em preventiva. Alexandre de Moraes deu o aval. Às 6h35, o comboio com o ex-presidente ingressou na sede da PF em Brasília. A cena, tão simbólica quanto desgastante para o bolsonarismo, ocorreu com discrição.
Bolsonaro parece ter reagido com tranquilidade à detenção. Michelle não estava em casa no momento da abordagem, de acordo com interlocutores ouvidos pela GloboNews. O casal, que já não divide mais a liturgia do poder, passa agora a dividir também a rotina de mais uma crise.
A PF informou que o mandado foi cumprido por garantia da ordem pública. Na prática, o tribunal entendeu que o ex-presidente, mesmo enfraquecido e politicamente encurralado, ainda é capaz de mobilizar seguidores para confrontos iminentes. Não é a primeira vez que o bolsonarismo testa o limite entre manifestação e ameaça. Mas é a primeira em que essa provocação resulta na prisão preventiva de seu líder máximo.
Bolsonaro foi conduzido novamente à Superintendência da PF, onde ocupa uma sala de Estado. Nada de cela comum, nem de ala prisional. A lei prevê um espaço reservado para ex-presidentes, e a PF repete o protocolo de isolamento, escolta e exames obrigatórios. O corpo de delito, feito discretamente dentro do prédio pela equipe do IML, evita exposição pública e reduz o potencial de espetáculo.
Até as 6h40, a defesa dizia não ter sido formalmente notificada. A alegação virou nota oficial, mas não impediu a confirmação do óbvio. Bolsonaro está preso novamente.
A defesa tenta a última cartada
A ironia é que, horas antes, os advogados haviam pedido ao ministro Moraes a substituição do regime inicial fechado por prisão domiciliar humanitária. Sustentaram que o ex-presidente tem comorbidades graves e que uma eventual ida ao sistema prisional representaria risco à vida. O pedido ainda não foi analisado e agora convive com a prisão preventiva, o que deixa a situação jurídica do ex-presidente ainda mais complexa.
A defesa promete recorrer da condenação, mas buscava tempo e condições favoráveis para isso. Com a nova prisão, perde margem de manobra e acumula mais um revés simbólico. Bolsonaro segue politicamente tóxico e juridicamente instável.
Ao decretar a preventiva, o STF passa um duplo recado. Para os bolsonaristas, deixa claro que não tolerará convocações que possam gerar tumultos ou remeter ao clima de janeiro de 2023. Para o campo democrático, reforça a estratégia de isolar o ex-presidente e impedir sua rearticulação como foco de instabilidade.
A decisão sobretudo promete reverberar em outras esferas. Até onde o Supremo deve ir para conter líderes políticos considerados perigosos? O tribunal age para evitar novos ataques às instituições ou ultrapassa a fronteira delicada entre Justiça e política?
A resposta varia conforme o espectro ideológico, mas o fato permanece. Bolsonaro, mesmo condenado, segue sendo um ator de alto impacto e cada nova decisão envolvendo seu nome provoca faíscas em um país que ainda pisa em brasas. A conferir nas eleições de 2026, que bate à porta.
Mesmo politicamente desgastado, Bolsonaro ainda movimenta ruas e redes. Sua nova prisão fortalece a narrativa da perseguição aos olhos de sua militância mais fiel. A oposição pede serenidade. O governo tenta assistir de longe para evitar que a crise contamine o ambiente político da COP30.
O país assiste a mais um capítulo de uma longa crise que começou há pelo menos dez anos. Um ex-presidente preso preventivamente porque seu entorno convocou uma vigília que poderia escalar em confronto. Um ministro do STF decidido a não perder o controle. Uma Polícia Federal obrigada a agir no limiar entre a legalidade e o risco político. O Brasil amanheceu dividido mais uma vez. Mas, desta vez, com uma sensação conhecida. Todos sabiam que este momento chegaria. Só não sabiam quando. Hoje chegou.
Domingos Ketelbey
É repórter, colunista e apresentador. Conecta os bastidores do poder, cultura e cotidiano na cobertura jornalística
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