Foto: Antônio Augusto/STF

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Domingos Conversa #1: ADEUS, BARROSO: O LEGADO, A SUCESSÃO E A URGÊNCIA DE MAIS VOZES FEMININAS NO STF

Uma conversa com a Drª Fernanda Borges

12 de outubro de 2025 às 01:12

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Podcast

A aposentadoria do ministro Luís Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal reacendeu uma das discussões mais antigas e sensíveis do Judiciário brasileiro: a sub-representação das mulheres nas instâncias mais altas de poder. Aos 66 anos, Barroso encerra um ciclo de 11 anos na Corte e deixa um legado marcado pela defesa dos direitos fundamentais, pela atuação em temas civilizatórios e pela condução do Supremo em meio aos ataques antidemocráticos que marcaram os últimos anos.

Nos bastidores de Brasília, o movimento pela sucessão já começou. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve anunciar o novo nome nas próximas semanas, talvez, nos próximos dias. Entre especulações e listas informais, um ponto vem ganhando força: a pressão para que a vaga de Barroso seja ocupada por uma mulher, o que recoloca no centro do debate a necessidade de mais diversidade e representatividade no STF.

Em 134 anos de história, a Suprema Corte brasileira teve mais de 170 ministros homens e apenas três mulheres. Hoje, há apenas uma ministra em atividade, Carmen Lúcia, indicada ainda no primeiro mandato de Lula. A desproporção revela o tamanho do desafio e reforça a importância de discutir critérios, perfis e simbolismos que extrapolam a escolha de um único nome.

Para analisar o legado de Barroso, os impactos da polarização sobre o papel do STF e o sentido político e simbólico da próxima indicação, o Blog Domingos Ketelbey conversou com a professora Fernanda Borges, doutora em Sociologia, pós-doutora em Direitos Humanos pela UFG e especialista em Direito Constitucional.

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Abaixo, a transcrição na íntegra do bate-papo com a professora em Direito Constitucional e doutora em Sociologia, Fernanda Borges:

Domingos Ketelbey: O ministro Luís Roberto Barroso vai se aposentar do Supremo Tribunal Federal hoje. Esse é um dos assuntos mais falados nos bastidores de Brasília e o presidente Luís Inácio Lula da Silva deve bater o martelo sobre o seu sucessor nas próximas semanas, talvez até nos próximos dias. Mas o debate vai além da sucessão. Fala também sobre representatividade, diversidade e o papel das mulheres no Judiciário. Eu sou Domingos Ketelbey e, para pensar um pouco sobre essa pauta comigo, converso agora com a professora Fernanda Borges, especialista em Direito Constitucional, doutora em Sociologia e pós-doutora em Direitos Humanos. Obrigado, professora, por estar me recebendo aqui. A gente está num café em Goiânia e eu agradeço muito a sua disponibilidade e o seu tempo para a gente poder bater esse papo.

Fernanda Borges: Obrigada. Eu que agradeço, Domingos. Para mim é uma alegria e uma oportunidade de falar de um tema que me é muito caro, que eu tenho interesse de discutir, de pensar e de trazer contribuições aqui para o seu público.

Domingos Ketelbey: Ministro Luís Roberto Barroso ficou quase 12, 13 anos no STF. Você faz um balanço dessa passagem de mais de uma década no STF? O ministro conseguiu guardar bem a Constituição?

Fernanda Borges: O ministro Barroso tem uma passagem pelo STF bastante curiosa porque, antes de ser indicado pela presidente Dilma, ele já tinha um protagonismo muito grande em ações emblemáticas do Supremo enquanto advogado. Ele participou fazendo sustentações orais em casos ligados, desde a interrupção da gravidez por feto anencéfalo a outras ações envolvendo a defesa de direitos fundamentais. Ele já era um professor e advogado comprometido com pautas civilizatórias e democráticas. E tem uma curiosidade na indicação dele que vale relembrar: quando ele figurou nas listas para ser indicado pela presidente Dilma, ela não o conhecia, não era alguém do seu círculo, de confiança direta, mas teve uma primeira conversa e o indicou. Foi uma indicação exitosa, que contribuiu com a trajetória que ele já tinha. O legado que ele deixa, que ficará marcado com maior representatividade, foram esses dois anos de presidência, em que teve que presidir o Supremo em um momento delicado da democracia brasileira, de muitos ataques, depois, inclusive, o ataque físico ao prédio, e ataques aos ministros e à institucionalidade. Ele teve uma postura importante nesse período. E também há a sua gestão no CNJ, adotando políticas judiciárias com pautas voltadas para equidade de gênero e raça. Tivemos, na gestão dele, o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero e o Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial. Para a Secretaria-Geral do CNJ, ele indicou pela primeira vez uma mulher negra, a juíza Adriana Cruz, inclusive, torço para que ela figure na lista para o presidente Lula indicar. O ministro Barroso deixa a marca do compromisso com os direitos fundamentais e com a equidade, tanto no CNJ quanto no STF.

Domingos Ketelbey: Você citou os dois anos em que ele presidiu a Corte. Nos últimos quatro a seis anos, o STF ficou muito exposto, no fogo cruzado da polarização. Qualquer decisão é comentada. Ele teve jogo de cintura para lidar com as pressões e exposições?

Fernanda Borges: Acredito que sim. Os 11 ministros se uniram, de alguma forma, para defender a institucionalidade. Sem ignorar que há críticas possíveis a julgamentos pontuais, no geral o STF se manteve firme e atravessou a crise institucional respeitando a institucionalidade. É o órgão de cúpula do Judiciário e ganha muita visibilidade pelo acúmulo de competências que a Constituição de 1988 desenhou para o STF. Atua como Tribunal Constitucional e também como última instância recursal. Isso expõe muito os ministros, o que se intensificou com a TV Justiça e os julgamentos televisionados. Daí em diante, tornaram-se figuras midiáticas. Há um lado positivo, aproxima a sociedade das decisões constitucionais, e um lado crítico. É preciso preservar a integridade dos poderes e das funções.

Domingos Ketelbey: Como você vê a superexposição e as críticas de que o STF atua politicamente, até como um partido, e não guardaria a Constituição? Essas críticas partem, especialmente, de parcelas mais conservadoras do eleitorado.

Fernanda Borges: O STF tem a missão de guardar a Constituição. Diferentemente do Executivo e do Legislativo, que são poderes majoritários eleitos diretamente, os ministros do STF passam por uma escolha com legitimidade democrática: indicação pelo Executivo e aprovação pelo Senado. Não têm legitimidade direta, mas têm a legitimidade constitucional e cumprem um papel contramajoritário. Quando determinadas pautas não avançam na arena política tradicional, como direitos dos povos indígenas, que têm pouca representatividade no Congresso, é no STF que encontram proteção. Isso faz parte do desenho democrático: poderes independentes e harmônicos em tensão. Essa tensão é saudável. O problema é quando extrapola os marcos democráticos, como discursos de destruição das instituições. Críticas são legítimas quando feitas dentro do Estado de Direito. Há 10 ou 15 anos, em sala de aula, discutíamos decisões do STF pelos argumentos dos votos e teses. Hoje, levar um caso à sala já aciona a polarização. Isso empobrece o debate jurídico. Antes era possível criticar coerência, mudança de jurisprudência, etc. Hoje há resistência em discutir, pois o STF é também uma corte política, não no sentido partidário, mas por defender um documento político: a Constituição, fruto da redemocratização após 21 anos de ditadura. O trauma histórico fez colocar muita coisa na Constituição.

Domingos Ketelbey: Qual a consequência dessa polarização na sala de aula? Isso emburrece o curso de Direito?

Fernanda Borges: A palavra talvez seja raso. Limita a discussão de grandes temas e interpretações constitucionais. Há também posturas pontuais de alguns ministros que alimentam a espetacularização e corroboram essa narrativa. Eles fazem parte da dinâmica de exposição. Ainda assim, houve uma mudança: nos anos 1990 e 2000, o STF quase não era estudado na graduação. O protagonismo é recente, das democracias contemporâneas do pós-guerra. Hoje há acesso a julgamentos televisionados, ministros em congressos, redes sociais do Supremo. Isso tem pontos positivos e negativos.

Domingos Ketelbey: Voltando ao Barroso: ele participa da última sessão e fica mais alguns dias para despachar casos do gabinete. Há expectativa de que deixe voto pronto em ações relevantes, como a do aborto, como fez a ministra Rosa Weber?

Fernanda Borges: Pode deixar votos prontos, não sei se o fará, mas acredito que sim.

Domingos Ketelbey: E o rito após a aposentadoria? Com a publicação no Diário Oficial, o que acontece?

Fernanda Borges: A Constituição não fixa prazo para o presidente indicar. Mas já se vê movimentação e listas circulando. O presidente fará a indicação, o nome passa por sabatina no Senado, que aprova ou não, e, aprovado, ocorre a nomeação. A expectativa é que tenhamos um novo ministro ou ministra entre novembro e dezembro. Bastidores em Brasília mencionam Jorge Messias, advogado-geral da União.

Domingos Ketelbey: Como você vê esse nome e qual sua expectativa sobre a escolha do presidente Lula?

Fernanda Borges: Circulam listas majoritariamente masculinas, mas há mobilização de entidades e movimentos de mulheres com carta pública pedindo que Lula indique uma mulher para a vaga do Barroso. Há uma lista com mais de 10 nomes de juristas competentes. Lula tem indicado mulheres a tribunais superiores, como a ministra Daniela no STJ, que também poderia figurar para o STF, além de ministras no TSE e no STM. Em 2007, no mandato anterior, indicou a primeira mulher ao STM, Maria Elizabeth, hoje a primeira mulher a presidi-lo. Nomes não faltam: Adriana Cruz, Vera, Daniela Teixeira (STJ), Sheila Carvalho, Estela Aranha e Edilene Lobo (TSE), entre outras. Não é só representatividade numérica. Em 134 anos de STF, foram mais de 170 ministros homens e apenas três ministras. Hoje, entre 11 ministros, há apenas uma mulher: Carmen Lúcia, indicada por Lula. Uma única mulher não representa a sociedade brasileira. Há amplo leque de opções de mulheres comprometidas com valores democráticos e civilizatórios. Às vezes se diz vamos esperar a vaga da Carmen Lúcia, mas o depois é sempre adiado. Carmen Lúcia se aposenta em cerca de quatro anos. A primeira mulher na Suprema Corte (Ellen Gracie) foi indicada em 2000 por FHC; depois vieram Carmen Lúcia (2006, por Lula) e Rosa Weber (2011, por Dilma). Só houve um período com duas ministras simultaneamente. Na vaga de Rosa Weber, houve mobilização e, ainda assim, foi indicado um homem. Seria emblemático e mais que simbólico que a vaga de Barroso fosse ocupada por uma mulher, alinhada à pauta de equidade que marcou a presidência de Barroso. A realidade dos bastidores sugere o contrário, mas a pressão social e o debate público são fundamentais para expor a desproporção na Corte.

Domingos Ketelbey: Alguns dizem que não é hora de discutir gênero e que qualificação deve ser o critério. Mas você mencionou nomes com notório saber constitucional. Sobre Jorge Messias, muito se fala de sua relação com evangélicos, critério não técnico. Isso deveria pesar? Não há mulheres evangélicas?

Fernanda Borges: Há muitas juristas excepcionais. O que falta é que seus nomes circulem nas listas e na imprensa, que estejam na disputa. É importante abrir espaço para o público conhecer quem é Daniela Teixeira, o trabalho que vem realizando no STJ, quem são as ministras no TSE, no STM, e a própria Adriana Cruz. Também há magistradas com atuação no STF. Os critérios priorizados precisam ser debatidos. Vale lembrar que boa parte do eleitorado feminino elegeu Lula. Representatividade importa. Sempre se diz que não é o momento, e o momento nunca chega, mas a hora já passou há muito tempo. Do ponto de vista político, às vésperas de eleições, também é um sinal ao público feminino que contribuiu para eleger o presidente. Precisamos de diversidade na Suprema Corte por várias razões. A luta por equidade e paridade nos tribunais deve incluir o órgão de cúpula. E ainda é pouco falar de apenas uma vaga: para alcançar equilíbrio, seriam necessárias várias indicações de mulheres até termos, no mínimo, cinco ou seis ministras.

Domingos Ketelbey: Professora Fernanda, muito obrigado pelo papo. Foi muito produtivo.

Fernanda Borges: Eu que agradeço. Poderíamos ficar a manhã inteira conversando sobre STF e Constituição. Deixo a sugestão: há uma carta aberta de entidades com os nomes das juristas. Seria interessante divulgar para que esses nomes circulem, o público conheça quem são essas mulheres e o movimento de pressão e reflexão continue, a Corte, como está desenhada, não representa a sociedade brasileira.

Domingos Ketelbey: Obrigado pelas contribuições, professora. Obrigado a você, ouvinte, pela escuta e audiência. Se você gostou deste episódio, inscreva-se no nosso canal no YouTube, deixe sua avaliação no Spotify e compartilhe com seus amigos no Instagram.

Créditos

Apresentação e roteiro: Domingos Ketelbey

Edição e mixagem: Lucas Coqueiro

Trilha sonora original: Steven F Allen

Suporte técnico: Fabrizzio Ferreira

Foto: Antônio Augusto/STF

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Domingos Ketelbey

É repórter, colunista e apresentador. Conecta os bastidores do poder, cultura e cotidiano na cobertura jornalística

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Foto: Antônio Augusto/STF