PEC das Prerrogativas ou Blindagem: bancada goiana vota em peso a favor do projeto
"Até o passado virou incerto": especialista vê retrocesso institucional e alerta para risco de autoblindagem do Congresso Nacional
17 de setembro de 2025 às 17:31
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Política
A Câmara dos Deputados aprovou a chamada "PEC da Blindagem" que alguns parlamentares preferem chamar de "PEC das Prerrogativas", com apoio quase unânime da bancada goiana: 14 dos 17 parlamentares disseram “sim” a um texto que restringe prisões, exige aval prévio do Legislativo para processos criminais e ainda impõe votação secreta para decisões que envolvam seus próprios pares.
Só três nomes destoaram, Adriana Accorsi e Rubens Otoni, ambos do Partido dos Trabalhadores (PT) e Flávia Morais (PDT), enquanto o restante da bancada, do Partido Liberal ao PRD, marchou em bloco. O contraste não é só estatístico: revela o quanto parte expressiva do Congresso parece disposta a reescrever as regras do jogo em causa própria.
Para o advogado constitucionalista Matheus Costa, a proposta simboliza o esvaziamento do espírito republicano que deveria guiar reformas constitucionais. “A PEC da Blindagem não é apenas uma proposta controversa no mérito, é um caso emblemático de como, no Brasil, até o passado é incerto. A cada nova conjuntura política, o poder de emenda constitucional vira um pêndulo que avança e recua, e isso fragiliza a própria ideia de Constituição como pacto estável", afirmou ao Blog Domingos Ketelbey.
Costa lembra que o texto tenta restaurar a redação original do artigo 53 da Constituição de 1988, que garantia imunidade quase absoluta aos parlamentares, revertendo a guinada da Emenda Constitucional 35/2001, quando o Congresso, acuado por escândalos e sob pressão da opinião pública, decidiu derrubar a exigência de autorização prévia para processar seus membros.
“A Constituinte de 88 nasceu para proteger o Parlamento da perseguição da ditadura. Em 2001, num ambiente de crise e descrédito, os próprios deputados entenderam que era preciso reduzir os privilégios. Agora tentam voltar ao modelo anterior, não para fortalecer a democracia, mas para se proteger”, resume.
Constituição não é armadura
O jurista alerta para o risco de transformar a Constituição num escudo de conveniência. “Emendas constitucionais deveriam servir para consolidar valores fundamentais, garantir direitos estruturais e organizar os poderes de forma equilibrada, não para oferecer atalhos ou proteções que beneficiem uma Casa Legislativa ou um gênero específico de agentes públicos", afirma.
Para ele, o movimento da Câmara rompe a lógica dos freios e contrapesos e ameaça a separação dos Poderes. “Quando uma emenda serve a interesses políticos momentâneos, ela deixa de ser instrumento de construção institucional e vira escudo corporativo, reforçando privilégios e minando a confiança pública. Há o risco de o Congresso passar a exercer funções próprias do Judiciário: investigar, controlar, julgar. E isso rompe a separação dos poderes.”
Costa também adverte que usar emendas para autoproteção pode gerar inconstitucionalidade material ou formal, por violar princípios como igualdade, impessoalidade e responsabilização. “O modelo de emenda constitucional deve obedecer não só ao rito formal, mas também a limites materiais. Não se pode usar o poder de emenda para autopreservação política. Isso fere as cláusulas pétreas e corrompe o espírito da Constituição.”
Enquanto aqui o texto constitucional vira massa de modelar ao sabor das maiorias de ocasião, outros países erguem barreiras justamente para impedir reformas oportunistas. “Nos Estados Unidos, uma emenda só passa com dois terços do Congresso e ratificação de três quartos dos estados, o que impede maiorias ocasionais de usarem a Constituição para autoproteção. Na Alemanha, depois da experiência nazista, a Lei Fundamental de 1949 criou cláusulas de eternidade que nem o Parlamento pode alterar.”
Domingos Ketelbey
É repórter, colunista e apresentador. Conecta os bastidores do poder, cultura e cotidiano na cobertura jornalística
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