Especialistas afirmam que mudança não se restringe aos condenados do 8 de Janeiro
12 de dezembro de 2025 às 09:12
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Política
Juristas avaliam que PL da Dosimetria pode beneficiar criminosos comuns
Aprovado pela Câmara dos Deputados sob o argumento de corrigir excessos na fixação de penas para os condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, o chamado PL da Dosimetria avança agora sob críticas de juristas que apontam um efeito colateral relevante: a redução do tempo de progressão de pena para criminosos comuns. Especialistas ouvidos avaliam que a mudança não se restringe aos réus envolvidos na tentativa de golpe e altera de forma ampla a lógica da execução penal no país.
Professor de direito da PUC do Rio Grande do Sul e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Rodrigo Azevedo afirma que o texto aprovado reduz de forma sensível os percentuais exigidos para a progressão de regime, especialmente em crimes não violentos. Segundo ele, ao padronizar o marco básico em um sexto da pena, o projeto representa um afrouxamento em relação ao modelo em vigor desde 2019, que passou a exigir 20% para réus primários e 30% para reincidentes, mesmo em delitos sem violência. “Na prática, beneficia sim criminosos comuns”, afirmou à Agência Brasil.
Na mesma linha, o advogado criminalista e professor da PUC do Rio João Vicente Tinoco avalia que o projeto representa um recuo parcial em relação ao chamado pacote anticrime. Para ele, a legislação de 2019 endureceu de forma significativa as regras de progressão, e o novo texto devolve benefícios que haviam sido retirados. Tinoco pondera, no entanto, que a mudança não recompõe integralmente o cenário anterior, mas altera pontos centrais do sistema atual.
O relator da matéria, deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), rebate as críticas e sustenta que o texto foi construído com apoio de juristas justamente para evitar benefícios a criminosos comuns. Durante a votação, afirmou que a proposta trata exclusivamente dos casos relacionados ao 8 de janeiro. O argumento, contudo, é contestado por Azevedo, que lembra que a Lei de Execução Penal é uma norma geral, aplicada a todos os condenados. “Não existe, no sistema constitucional brasileiro, uma lei de execução penal válida apenas para um grupo específico”, disse.
Segundo o professor da PUC-RS, o impacto prático é direto. Hoje, um condenado por roubo só pode progredir de regime após cumprir 40% da pena. Com o novo texto, se for primário, esse percentual cai para 25%. Para Azevedo, isso demonstra que a mudança extrapola os crimes contra o Estado Democrático de Direito e alcança delitos comuns.
Entenda
O PL 2.162 de 2023 permite a progressão de regime após o cumprimento de um sexto da pena, o equivalente a 16%. Atualmente, esse percentual é restrito a réus primários condenados por crimes sem violência, podendo chegar a até 70% em casos de reincidência em crimes hediondos. A inovação do projeto está em permitir que crimes cometidos com violência ou grave ameaça, como a tentativa de golpe de Estado, também tenham acesso à progressão com apenas 16% da pena cumprida, ainda que haja exceções conforme o tipo de infração.
Tinoco chama atenção para lacunas do texto. Alguns crimes praticados com violência não estão enquadrados nos títulos do Código Penal que elevam o percentual mínimo para 25%, o que pode gerar benefícios não previstos inicialmente. Para ele, legislar com foco em um caso específico tende a produzir distorções difíceis de mensurar. Azevedo acrescenta que o PL da Dosimetria entra em choque com o PL Antifacção, aprovado recentemente pela própria Câmara, que endurece regras para integrantes de facções e milícias. “A contradição fragiliza o sistema de segurança pública e gera insegurança jurídica”, conclui.
O projeto será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado na próxima quarta-feira (17), sob relatoria do senador Esperidião Amin (PP-SC), aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro e defensor da anistia total aos condenados pelos atos golpistas.

Domingos Ketelbey
É repórter, colunista e apresentador. Conecta os bastidores do poder, cultura e cotidiano na cobertura jornalística
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