Especialista vê polarização em desgaste após atos contra a PEC da Blindagem
Especialista em marketing político avalia que atos contra a PEC da Blindagem mostraram fadiga do embate Lula x Bolsonaro e abriram espaço para novas lideranças
26 de setembro de 2025 às 16:25
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Política
As ruas voltaram a ser palco de disputas políticas no último domingo (21), quando milhares de pessoas em todo o país protestaram contra a PEC da Blindagem e a proposta de anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro. Para o professor e especialista em marketing político Marcos Marinho, o movimento extrapolou a bolha tradicional da esquerda e atraiu setores do centro e até mesmo da direita moderada, incomodados com o que chamou de “esticar demais a corda” por parte do bolsonarismo.
Em entrevista ao Blog Domingos Ketelbey, Marinho avalia que a força do ato está menos ligada à esquerda em si e mais à rejeição a uma agenda considerada inaceitável por amplos segmentos da sociedade. Ele aponta que a participação de famílias, artistas e reitores de universidades ampliou o alcance simbólico da manifestação, conferindo legitimidade a setores antes intimidados pela truculência da extrema direita.
O especialista também identifica uma mudança estética no campo progressista, com a apropriação de símbolos nacionais antes monopolizados pelos bolsonaristas. O uso da bandeira do Brasil e do hino, segundo ele, não foi apenas uma estratégia deliberada, mas também resultado de um esvaziamento do significado patriótico pela própria extrema direita, que teria “entregue de volta” esses elementos ao centro e à esquerda.
Apesar da energia demonstrada nas ruas e da vitória momentânea na disputa de narrativas, Marinho faz um alerta: a esquerda dificilmente conseguirá manter esse fôlego até 2026. Para ele, os atos foram importantes para reposicionar forças políticas, mas quem mais pode lucrar politicamente são os grupos que tentam se descolar do bolsonarismo e ainda buscavam um caminho para isso.
LEIA ABAIXO A ENTREVISTA NA ÍNTEGRA COM O ESPECIALISTA EM MARKETING POLÍTICO, PROFESSOR MARCOS MARINHO:
Blog Domingos Ketelbey: As manifestações do dia 21 mostraram grande mobilização popular. O que diferencia esse ato dos anteriores organizados pela esquerda?
Marcos Marinho: O ato do último final de semana extrapolou a bolha da esquerda. Para além de ser uma mobilização que mexeu com os humores de grande parte da sociedade, ele foi motivado por uma ação do Congresso que ultrapassou pautas de esquerda. A PEC da Blindagem foi a gota d’água para muita gente que não se identifica nem com Lula nem com Bolsonaro, que não se vê como parte da esquerda, mas que achou um absurdo o que os deputados estavam fazendo. O que percebi, inclusive presencialmente, é que essa pauta conseguiu atrair pessoas do centro e até mesmo da direita que não concordavam com a blindagem ou com a anistia. Isso mobilizou o suficiente para ganhar as ruas e se fazer presente nas manifestações. O que mais gerou engajamento foi exatamente esse caráter transversal, que não estava localizado apenas na esquerda.
Blog Domingos Ketelbey: A presença de famílias, artistas e reitoras das universidades dá outro peso político ao evento?
Marcos Marinho: Houve uma redução do medo de exposição por parte de figuras públicas. Até então, artistas, professores e acadêmicos tinham receio de participar de movimentos e manifestações políticas, porque a extrema direita atuava de forma coercitiva e violenta contra essas pessoas. Agora, com o enfraquecimento desse poder ofensivo, elas se sentem mais encorajadas a se manifestar. Há também a sensação de pertencimento a uma maioria, o que gera proteção. Esse levante, sendo suprapartidário e supra ideológico, permitiu que mais pessoas se sentissem em condições de estar nas ruas e expressar opinião sem serem rotuladas de maneira dicotômica como petistas ou lulistas. Isso favoreceu a presença de novos grupos na mobilização.
Blog Domingos Ketelbey: Que leitura o senhor faz da adesão da população ao evento em Goiânia e do volume de público nacionalmente?
Marcos Marinho: A extrema direita esticou demais a corda. A forma truculenta com que buscou impor sua vontade no espectro político e, sobretudo, a tentativa de atrelar a PEC da Blindagem à PEC da Anistia, contra a opinião já registrada em pesquisas de que a maioria da população não concordava com tais medidas, revoltou muita gente. Pautas sensíveis como a redução do imposto de renda ou a segurança pública estão travadas, e os bolsonaristas fizeram questão de dizer que estavam travando porque queriam aprovar a blindagem. Isso irritou a sociedade. Para piorar, alguns ainda tentaram usar o momento para se autoproteger. O resultado foi um barril de pólvora que explodiu, levando para as ruas pessoas que até então não se sentiam afetadas diretamente por esse processo. Dessa vez, elas se perceberam como parte da disputa, se irritaram o suficiente e decidiram se manifestar.
Blog Domingos Ketelbey: Uma análise feita pelo analista de dados Pedro Barciela mostra que o campo anti bolsonarista rompeu a bolha da polarização e atraiu perfis não alinhados. Como isso pode redefinir o debate político? Concorda com essa leitura?
Marcos Marinho: Sim. Quem mais ganha nesse momento é quem busca se descolar do bolsonarismo e não estava encontrando meios para isso. Não acredito que as esquerdas ou o presidente Lula capitalizem diretamente esse movimento. O que existe é uma oportunidade para criar mais adesão se houver mudanças de discurso, de conduta e de comunicação. Mas, de imediato, quem sai fortalecido é quem já queria se afastar de Bolsonaro e agora percebe que há espaço para isso. Para esse grupo, o movimento mostrou que vale a pena perder uma parte do todo, mas manter a chance de crescer e vencer as disputas futuras.
Blog Domingos Ketelbey: O fato de a oposição ter controlado a narrativa nas redes, sem depender da imprensa, marca uma virada na estratégia da esquerda?
Marcos Marinho: Hoje, a disputa não é apenas pelo tamanho da rua, mas por quem consegue se apresentar de forma mais palatável para a maioria da população. Há um esgotamento do modelo dicotômico. Bolsonaro já não convence como antes e Lula não tem condições de encantar quem não é lulista ou petista, porque já enfrenta rejeição consolidada e críticas de ordem econômica e social. Isso abre espaço para o surgimento de uma nova liderança capaz de unificar, convergir e, ao mesmo tempo, manter um discurso antissistema. As pesquisas mostram que Lula não melhora sua imagem apesar da queda de Bolsonaro. Isso significa que os eleitores não estão migrando automaticamente para o campo da esquerda. A vitória estará com quem conseguir se apresentar como alguém capaz de pacificar, convergir e, sobretudo, entregar resultados.
Blog Domingos Ketelbey: O senhor vê nesses atos uma espécie de “resposta estética” ao bolsonarismo, especialmente com o uso de bandeiras do Brasil e do Hino Nacional?
Marcos Marinho: Sim. Foi um resgate dos símbolos nacionais que haviam sido sequestrados pela ala bolsonarista. Mas o curioso é que não foram a esquerda ou outros grupos que promoveram essa ressignificação. Foram os próprios bolsonaristas, ao estenderem bandeiras dos Estados Unidos em manifestações ou aplaudirem Donald Trump enquanto ele taxa o Brasil e prejudica nossa economia. Quem não é radical percebeu que isso não fazia sentido. A partir daí, outros campos políticos entenderam que era a hora de retomar os símbolos nacionais e usá-los novamente como representação de soberania. O que antes era praticamente um uniforme bolsonarista deixou de ser.
Blog Domingos Ketelbey: A mobilização contra a PEC da Blindagem e a anistia pode impactar diretamente a agenda do Congresso?
Marcos Marinho: O Congresso esticou a corda demais ao tentar impor medidas tão impopulares. A paciência de setores que não se viam diretamente afetados se esgotou, e isso levou mais gente para as ruas. Agora, os parlamentares precisarão recuar, porque a repercussão foi maior do que esperavam. Veja você que o Senado já enterrou a PEC assim que chegou a CCJ.
Blog Domingos Ketelbey: Até que ponto esses atos são um ensaio para 2026?
Marcos Marinho: Não acredito que esse volume se mantenha até 2026. É muito difícil sustentar manifestações desse porte por tanto tempo, principalmente porque a esquerda não tem uma base fiel de 30% como a direita bolsonarista. Mas os atos deixaram um recado claro: palanques que dependerem exclusivamente de Bolsonaro estarão fragilizados. Foi um alerta para lideranças que planejavam construir suas campanhas apenas nesse apoio.
Blog Domingos Ketelbey: Quem ganha politicamente com esse tipo de manifestação: partidos, movimentos sociais ou lideranças individuais?
Marcos Marinho: Ganha quem souber se descolar do bolsonarismo sem necessariamente aderir ao lulismo. Esse espaço está aberto. As esquerdas podem ampliar adesão se mudarem discurso e comunicação, mas o maior potencial está para quem souber ocupar esse meio-termo.
Blog Domingos Ketelbey: Quais são os riscos de a esquerda não conseguir manter essa energia até 2026?
Marcos Marinho: A esquerda dificilmente conseguirá manter essa energia até 2026. É muito difícil manter a rua mobilizada o tempo todo, especialmente sem uma base consolidada. Esses atos foram possíveis porque reuniram diferentes espectros em torno de pautas comuns. A direita bolsonarista consegue manter mobilização porque tem cerca de 30% da população fiel ao que Bolsonaro fala. A esquerda não tem isso. O desafio agora é transformar essa energia em algo que dure, mesmo que em intensidade menor, até o próximo ciclo eleitoral.
Blog Domingos Ketelbey: O bolsonarismo tem condições de reorganizar manifestações de grande porte no curto prazo?
Marcos Marinho: O bolsonarismo radical, que fala apenas de Bolsonaro o tempo todo, não tem mais força. Esse esgotou. Eu sempre disse que o bolsonarismo é maior do que o próprio Bolsonaro, e agora isso precisa acontecer de fato. Para sobreviver, o movimento terá que tirar Bolsonaro do centro. Se insistirem em dobrar a aposta na figura dele, vão continuar afastando simpatizantes que poderiam se aproximar apenas por serem oposição ao PT. Nesse cenário, o volume de rua tende a ser cada vez menor.
Blog Domingos Ketelbey: O senhor diria que a disputa agora é por quem pauta a narrativa, mais do que pelo tamanho da rua?
Marcos Marinho: Sim. A disputa é por narrativa. O povo está cansado da guerra identitária e emocional. Lula não consegue encantar quem está fora da sua base. Bolsonaro perdeu a capacidade de mobilizar como antes. A vitória será de quem conseguir se apresentar como alternativa com discurso de convergência, pacificação e, acima de tudo, entrega concreta de resultados.

Domingos Ketelbey
É repórter, colunista e apresentador. Conecta os bastidores do poder, cultura e cotidiano na cobertura jornalística
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