Lula, ao lado do bispo Samuel Ferreira, lider das Assembleias de Deus, e Jorge Messias

Lula, ao lado do bispo Samuel Ferreira, lider das Assembleias de Deus, e Jorge Messias (Foto: Ricardo Stuckert)

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Lula, ao lado do bispo Samuel Ferreira, lider das Assembleias de Deus, e Jorge Messias (Foto: Ricardo Stuckert)

Lula, ao lado do bispo Samuel Ferreira, lider das Assembleias de Deus, e Jorge Messias

Lula, ao lado do bispo Samuel Ferreira, lider das Assembleias de Deus, e Jorge Messias (Foto: Ricardo Stuckert)

Lula, ao lado do bispo Samuel Ferreira, lider das Assembleias de Deus, e Jorge Messias

Lula, ao lado do bispo Samuel Ferreira, lider das Assembleias de Deus, e Jorge Messias (Foto: Ricardo Stuckert)

Domingos Conversa #5: Fé, poder e política: o desafio de Lula com o voto evangélico

Em novo episódio do podcast Domingos Conversa, doutor em História analisa como o bolsonarismo capturou o afeto religioso e por que Lula tenta reverter essa narrativa

1 de novembro de 2025 às 13:21

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No Brasil, o voto evangélico virou um ativo político valioso e, ao mesmo tempo, uma fronteira difícil de atravessar para a esquerda. Quem afirma é o historiador Makchwell Coimbra, doutor em História e pesquisador das relações entre política e religião. Em entrevista ao podcast Domingos Conversa, conduzido pelo jornalista Domingos Ketelbey, ele analisa as tentativas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de reabrir pontes com o setor pentecostal e explica por que essa aproximação ainda enfrenta resistência. O episódio foi disponibilizado na íntegra neste sábado (1), nos principais tocadores de podcast.

“O problema é que a esquerda insiste em enxergar os evangélicos como um grupo único, homogêneo e estereotipado. Há muitas formas de ser protestante no Brasil. Quando você reduz tudo a uma caricatura, afasta o diálogo”, afirmou o professor. Segundo ele, as esquerdas “mistificaram o evangélico”, tratando-o com desdém no cotidiano e na cultura popular. “Basta ver como as novelas retratam o pastor: corrupto, malandro, explorador. Isso não representa a realidade da fé evangélica, mas constrói uma imagem que produz rejeição.”

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Makchwell lembra que esse distanciamento ajudou a abrir espaço para a ascensão da direita religiosa e, especialmente, do bolsonarismo. “Bolsonaro entendeu algo simples: o culto é o grande evento da vida de milhões de brasileiros. Quando ele respeita esse espaço, mesmo sem ser um exemplo de fé, ele captura o afeto e o voto dessas pessoas”, observa.

De outro lado, o historiador argumenta que Lula foi vítima de uma demonização construída ao longo de décadas, sobretudo por lideranças evangélicas conservadoras. “Criou-se um imaginário em que o Lula é anticristão, a favor do aborto e contra a família tradicional. É uma narrativa falsa, mas muito bem trabalhada. E o imaginário, quando se instala, é quase impossível de desconstruir”, disse.

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Makchwell vê com cautela a possibilidade de o presidente indicar um nome evangélico ao Supremo Tribunal Federal (STF), movimento que tem sido interpretado como um aceno político. “O indicado não será escolhido apenas por ser evangélico, mas também por isso. Lula busca se aproximar desse público, mas a escolha envolve outras camadas, como a trajetória jurídica e a simbologia de representatividade. Ainda assim, será apenas o terceiro ministro evangélico da história do STF, o que mostra a força crescente desse segmento”, analisou.

Abaixo, você pode ouvir o podcast no tocador preferido:

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A seguir, você pode ler a transcrição completa da entrevista:

Introdução: Os Evangélicos e a Política

Domingos Ketelbey: Olá, eu sou Domingos Ketelbey e você está assistindo ao Domingos Conversa. Podcast já disponível nos principais tocadores de streaming e aqui na TV Capital. Neste episódio, temos o doutor Makchwell Coimbra, historiador especialista em política e movimentos sociais, para discutir um tema absolutamente central na política brasileira contemporânea: a relação entre a fé, o poder e, principalmente, o desafio do presidente Lula em conquistar o voto evangélico. Makchwell, obrigado por estar aqui.

Mistificações sobre Evangélicos e as Esquerdas

Makchwell: Isso vai ser muito importante, principalmente porque existem muitas mistificações a respeito dos protestantes e dos evangélicos brasileiros, especialmente por conta das esquerdas, não só por conta da esquerda política, mas também por conta das esquerdas cotidianas, que tratam os evangélicos de forma muito pejorativa. E isso também dificulta o acesso de um presidente, no caso, um presidente de esquerda ou de centro-esquerda, a acessar esses protestantes.

Esse é o primeiro grande problema. Nós também temos um outro grande problema, que é acreditar—ao que parece, as esquerdas acreditam piamente—que existe uma forma de protestantismo, de evangélico no Brasil, e é uma forma estereotipada. Existem várias maneiras, várias nuances de protestantismo no Brasil, então existem várias formas de representabilidade. E o outro grande problema é que, por muito tempo, o discurso das esquerdas no Brasil em relação aos evangélicos se dava no campo econômico, levando em consideração que grande parte dos evangélicos brasileiros não são necessariamente ricos e as transformações econômicas atingiam esses grupos.

Entretanto, de alguns anos para cá, alguns grupos políticos passaram a articular em busca do voto ou da representatividade dos evangélicos, e outras coisas começaram a valer, outras coisas começaram a contar—questões que estão no campo do costume ou da moral—e isso modificou a forma do processo a respeito do voto e da representatividade dos evangélicos no Brasil.

O Estereótipo dos Evangélicos

Domingos Ketelbey: Você disse que a esquerda hoje trata esse movimento evangélico, que é muito fusco, muito diverso, de forma pejorativa. Como é que isso acontece e qual é o impacto desse tratamento das esquerdas com todo o movimento evangélico?

Makchwell: Bom, eu começo com um exemplo muito clássico disso. Quando nós falamos de evangélicos no Brasil, a primeira coisa que nos vem à cabeça é alguém que é um pastor que está extorquindo alguém, e essa é a representatividade que nós podemos ver nas telenovelas brasileiras, por exemplo.

Domingos Ketelbey: O pastor fala que o pastor engana o pobre.

Makchwell: O pastor fala muito bem, normalmente é um malandrão. E isso não representa os evangélicos de forma alguma. Você tem vários tons, várias nuances, várias formas da fé evangélica no Brasil. Então essa forma estereotipada, obviamente, vai afastar. Acredito que qualquer representatividade, qualquer grupo, qualquer subgrupo na sociedade, quando ele é representado de forma estereotipada, criamos uma versão prejudicial no que diz respeito a isso.

Se pegarmos, por exemplo, nós goianos quando somos representados de uma forma como caipiras. Não que nós não tenhamos uma cultura rural. Pegue isso e transponha para os protestantes. Mas isso parte das esquerdas? As esquerdas costumam fazer isso. As esquerdas se apropriam dessa representação. Porque para as esquerdas, de um modo geral, os evangélicos são uma caricatura. Mas você tem várias formas de evangélicos no Brasil. Você tem alguns intelectuais que são evangélicos. Então essa representação caricata do evangélico afasta muito o que as esquerdas imaginam como a forma de se aproximar dos evangélicos no Brasil.

Como Bolsonaro Conquistou o Voto Evangélico

Domingos Ketelbey: Como é que Bolsonaro conquistou tanto esse público?

Makchwell: Então acredito particularmente que existe uma fragmentação nos dias que nós vivemos, tem uma fragmentação da forma como nós existimos. Nós não somos só uma coisa, nós somos várias coisas. Uma mulher que é negra mora na periferia. Ela é mulher, mora na periferia, ela é negra, mas ela também pode ser evangélica.

E o que o Bolsonaro conseguiu fazer foi captar o afeto dessas pessoas por uma nuance só, por uma questão só, que é a questão de ser evangélica. E o grande problema é que nós tendemos a pensar que isso não importa na vida dessas pessoas. Ser evangélico para o evangélico importa muito, porque a razão da vida dela, a razão de vida dessas pessoas é a igreja. Talvez seja a coisa mais importante da vida dela. O evento mais importante da vida de milhares de brasileiros é a igreja no domingo, também vai no sábado, vai na quarta, vai na sexta. Tem algumas igrejas que fazem culto o dia todo.

Mas esse é o grande evento da vida dela, é o grande evento do cotidiano dela. Então quando você consegue captar isso como algo positivo, você vai conseguir o voto dessas pessoas. E nós podemos ver que, analisando à luz da Bíblia, da tradição evangélica, o Bolsonaro fala muitas coisas que se distanciam disso. Mas em momento algum ele critica o fato dessa senhora ou dessa pessoa ir à igreja em todos esses dias. Então isso consegue captar o afeto automaticamente o voto dessas pessoas.

O Lula e a Construção de um Estereótipo Negativo

Domingos Ketelbey: E o Lula?

Makchwell: O Lula, muito vinculado a uma outra forma de estereótipo, foi muito bem construído nos últimos anos, a partir dos anos 90, mas diria eu que especialmente a partir dos anos 2000, por conta desses líderes evangélicos. Líderes evangélicos que são envolvidos com política—não estou falando que são todos os líderes evangélicos—que têm colocado, têm demonizado a figura do Lula, mas não necessariamente a figura do Lula. Mas a figura das esquerdas aliada ao comunismo que não necessariamente também com o que é o comunismo, mas essa demonização do comunismo se dá por conta de pautas que são pautas morais.

A sociedade evangélica ela tem o direito a suas pautas, tal como todos nós temos nossos direitos em uma sociedade democrática. E suas pautas estão pautas de costume. De fato, está a questão do aborto, está a questão do casamento homoafetivo, casamento igualitário. Têm todas essas questões que são caras para os evangélicos. E esses líderes protestantes fizeram o quê? Pregaram isso contra o Lula ao comunismo e às esquerdas.

Assim o Lula representa, na cabeça, ou no imaginário dessas pessoas, representa alguém que é a favor do aborto, é a favor do casamento igualitário, contra a família tradicional. Então existe essa questão do imaginário. E o imaginário, quando ele pega, é algo muito difícil de desconstruir.

O Exemplo da Fake News do Cristo do Palácio

Domingos Ketelbey: Se os pastores foram alvo de caricatura, o Lula também foi alvo de uma caricatura por parte de setores mais conservadores, de lideranças, e eu não falo nem de setor conservador, alvo de caricatura de políticas ligadas à direita?

Makchwell: Sim, o Lula, de fato, ele foi... Construíram muito bem essa imagem do Lula como imagem demonizada. Tem um exemplo muito claro que demonstra isso: que o Lula é uma pessoa que se professa católico, ele se diz católico, e você pode ver entrevistas de pessoas evangélicas falando que o Lula é representante de alguma religião de matriz africana. E existe uma aversão quase que sintomática desses grupos, de alguns grupos evangélicos, para essas religiões de matriz africana. Então ele não pertence, ele não pratica, ele não professa uma religião de matriz africana. Ele professa catolicismo, mas na cabeça, no imaginário da maioria dessas pessoas, ele não é católico, ele não é cristão. Ele é alguém que professa uma religião de matriz africana.

Domingos Ketelbey: Você me lembrou de uma fake news que nem tinha esse nome na época, em 2011, mais ou menos. Quando a gente começa com essas narrativas de que o Lula tira uma estátua, um Cristo do palácio. Inclusive o Lula voltou agora. O Cristo do palácio, ela tira, devolve para o Lula, porque lá não era do palácio, era do Lula. A partir dali, setores diziam que ela está tirando todos os símbolos religiosos do palácio, que em breve seria implantada uma república bolivariana comunista no Brasil.

Makchwell: Olha que interessante. O estereótipo, ele não é construído de uma hora para outra. Eu não vou criar um estereótipo da sua pessoa agora e você vai ser estereotipado por isso. O estereótipo é construído ao longo dos anos, e existe um trabalho muito bem reforçado em tratar o PT, o Lula, como o grande representante do PT, como alguém que é anticristão, anti-evangélico. E esse estereótipo é muito bem construído durante vários anos, principalmente a partir do afastamento de certos grupos evangélicos do governo do PT, por conta da construção dessas pautas identitárias.

Questões Identitárias e Dinâmica Eleitoral

Domingos Ketelbey: É muito confortável para a gente, dois brancos, estarmos falando sobre isso, tomando café, aqui a gente está no Bom Café do Jardim América, em Goiânia.

Makchwell: Talvez seja a grande questão da política do século XXI, porque obviamente essas questões identitárias são extremamente importantes. Entretanto existe essa dificuldade. Como é que elas serão tratadas? Porque as maneiras como elas são tratadas, elas afastam grande parte do público. Aqui eu faço uma distinção entre o que é político e o que é eleitoral. Politicamente, as pautas identitárias são importantíssimas. Entretanto, a forma como elas são tratadas eleitoralmente pode causar algum tipo de afastamento de vários grupos da sociedade.

Domingos Ketelbey: Porque ninguém duvida que cotas incluíram negros na universidade. Ninguém duvida que são políticas sociais que até hoje são muito importantes. Mas a forma como isso é interpretado ou lido por políticos de extrema-direita, é a forma como ele vende isso para o eleitor dele, é o grande X da questão.

Makchwell: É uma estratégia da extrema-direita—eu coloco sempre no plural—que é pegar casos isolados, casos que possam ser uma notícia explosiva, e transformar isso como se fosse uma regra. E na prática isso normalmente não é regra. Então com isso você consegue usar pautas identitárias em favor de demandas eleitorais.

O Papel de Líderes Evangélicos como Magnatas da Fé

Domingos Ketelbey: Voltando um pouco ao tema da religião dos líderes. Entrevistei a vereadora Aava Santiago recentemente, que é uma vereadora que ultrapassou as fronteiras de Goiás, que ela se apresenta como membro da Assembleia de Deus e defende e apoia o presidente da República. Ela me disse o seguinte: que acha que o Lula fez concessões demais às igrejas ao longo das duas gestões, das duas primeiras gestões. Ela até cita: o Cedes Malafaia nunca enriqueceu tanto durante esse período. E aí eu me lembrei da primeira fala que você falou sobre a questão de como os líderes são vendidos, como magnatas da fé. Inclusive ela até usa essa expressão: "Lula produziu muitos magnatas da fé." Foi um período em que líderes mais prosperaram.

Makchwell: É um fato, acredito, concretizado que justamente os governos do PT que trouxeram as igrejas evangélicas para a política no Brasil. Se isso ocorreria por conta do crescimento dos evangélicos no Brasil, nós não sabemos. Nós podemos falar de forma que o PT de fato trouxe esses grupos para dentro da política. Por exemplo, nós temos o Malafaia. Você tem fotos do Malafaia nas primeiras gestões, nas candidaturas do Lula. Inclusive você tem também o Malafaia se aproximando de outros partidos políticos. Que o que acontece? O Bolsonaro representa uma possibilidade maior das defesas das pautas do próprio Malafaia.

E assim o grande X da questão, o grande problema aqui é que nesses governos você teve a possibilidade do crescimento de personagens evangélicos. Nós não estamos falando necessariamente de grupos e nós não estamos falando dos evangélicos em si, mas têm pessoas, certos nomes entre os evangélicos que têm muito poder, e essas pessoas vão ser sempre utilizadas, trazidas e tratadas pela política. E o Malafaia, por exemplo, tanto o Malafaia quanto o Edio Macedo, que são dois nomes bastante emblemáticos, foi o Lula, de fato, que os trouxe para a política.

Você tem, por exemplo, o Crivella, ministro da Pesca. Você tem o Crivella dentro bem no núcleo do PT. Entretanto, hoje a Igreja do Reino de Deus se tornou muito grande e ela tem um partido político. E isso é uma coisa importante. Nós entendemos porque eles têm uma religião, eles têm uma TV, eles têm uma grande igreja no Brasil, eles têm uma TV e têm um partido político. Então esse grupo é muito poderoso.

Então em um determinado momento você dialogava com esses grupos políticos de uma forma hierárquica diferente da forma como você tem que dialogar hoje. Inclusive nós acabamos de ver, né? Vai ocorrer de fato a criação de uma bancada, que é uma bancada evangélica.

O Encontro no Palácio e a Bancada Evangélica Fragmentada

Domingos Ketelbey: Aí agora retoma aquela pergunta inicial. A gente não sabe ainda quem vai ser esse próximo ministro, mas tem uma fotografia que viralizou, que foi muito compartilhada há aproximadamente duas semanas, do encontro do presidente da Conemad, que é a Convenção Nacional das Assembleias de Deus, bispo Samuel Ferreira, ao lado do Advogado-Geral da União, Jorge Messias, com o presidente Lula. Ele deu até uma bíblia, parece que era até folheada a ouro, né? Uma bíblia super bonita. O presidente Lula orou e abençoou o presidente. A fotografia tinha muita gente exaltando, outras pessoas não gostando muito. Mas ali me parece que houve uma consolidação de uma aproximação com um setor do petecostalismo, né? O Lula sacramentando essa indicação, ou mesmo se não sacramentar, mas se conseguir se aproximar, ele chega forte para 2026. Como é que você faz dessa conjuntura?

Makchwell: É importante antes de falar necessariamente da identificação de um evangélico ou da possibilidade, aqui a bancada evangélica não é uma bancada só. Ela tem várias nuances. Enquanto você tem o bispo em reunião, ele representa uma oposição à força dos Cedas, Malafaias. Então ele concorre, do interior da bancada evangélica, com outras perspectivas. Ele joga como perspectiva de poder, mas não é necessariamente a mesma lógica dos Malafaias. Inclusive o Malafaia depois fez vídeos criticando dessa reunião, e você teve até lideranças evangélicas voltadas para o Otonio de Paula, por exemplo.

Por isso que eu defendo que a equação é muito mais complexa do que falar: "Nossa, você tem um evangélico aqui, você tem o outro lá." Não é bem assim que funciona. A indicação de um evangélico na política, para o STF particularmente, você pode enxergar também de duas formas: a formulação eleitoral, que é óbvio que existe essa tentativa de aproximação de um público evangélico por parte do presidente Lula, que é candidato à reeleição. Isso é uma coisa explícita. Não tem como ninguém negar esse tipo de coisa. E a outra questão é jogada política. Você pensar no indicado, no Messias, por exemplo, como aquele estereótipo que nós falamos anteriormente, ele não faz parte desse estereótipo. Ele é um intelectual que tem doutorado. Ele é uma pessoa que tem uma carreira ao lado de estruturas políticas muito bem definidas. É uma pessoa que é respeitada por vários grupos.

Então o grande problema é nós olharmos para ele simplesmente como apenas um evangélico. Ele não está ali necessariamente por ser evangélico, mas também por ser evangélico. Ele é uma pessoa que, sendo indicado e se ficar aprovado no acervo saber jurídico, ele tem doutorado, inclusive em políticas públicas. E assim é uma pessoa que faz parte do jogo político, mas ele não está sendo indicado necessariamente só por ser alguém profundamente evangélico, como nós ouvimos anteriormente.

Evangélicos no STF: Uma Análise Histórica

Makchwell: E particularmente, como historiador, em uma questão de longa duração ou de média duração, o historiador gosta de fazer análise, olhar para o passado para tentar explicar o presente. O terceiro indicado para o STF no Brasil é muito pouco pela quantidade de pessoas que os evangélicos representam no Brasil, e principalmente pela força política que eles têm conseguido nos últimos anos.

Domingos Ketelbey: O primeiro foi?

Makchwell: Um que se chama Vila Boas, na década de 50, 57. Ele era batista. Se eu não me engano, ele é batista e ele tem cargo na igreja. No caso, é um cargo subalterno na igreja. Ele é diácono na igreja.

Uma coisa que tem acontecido muito nos últimos anos é que os evangélicos eles adentraram a sociedade. Eles adentraram vários campos e ramos da sociedade. Seria muita ingenuidade nossa acreditar que eles não adentrariam a política. E seria mais ingenuidade nossa acreditar que eles não adentrariam em cargos específicos na política. Porque cargos menores, como vereadores e deputados, já acontecem desde a década de 80, em menor número, né? E começou a ser mais expressiva a partir da década de 2000. Entretanto, seria muita ingenuidade nossa não acreditarmos que esses evangélicos eles fossem adentrar a outras instâncias da república brasileira. E o STF é um deles.

A Situação Delicada de Lula

Domingos Ketelbey: E o Lula agora está numa situação bem delicada, né? Porque você tem aí, e aí você diz que o Messias ele não é um cara só das igrejas. Embora tenha esse respaldo de um bispo Samuel Ferreira no palácio. Ele não foi só para rezar, para orar para o presidente Lula. Vamos ser sinceros, não foi só ali da Bíblia ele orar. Ele foi ali ao lado do Advogado-Geral da União para dar o respaldo para que ele tornasse o próximo ministro. Tem a nossa benção também.

Makchwell: O respaldo e também o recado para o Malafaia, que o Malafaia não é dono do Banco da Evangelha. Isso fica muito nítido nessa presença porque eles concorrem pela liderança da Bancada Evangélica. Tanto é que ele faz parte de uma corrente Assembleia de Deus que inclusive ela é majoritária em relação às Assembleias de Deus no Brasil. Existe uma disputa de poder. Enquanto sociedade temos que parar de pensar que os evangélicos são um grupo só, porque eles não são.

Existem grupos muito distintos de formas teológicas, formas de interpretar a Bíblia, formas de vivência cotidiana entre os evangélicos, e obviamente formas de interesse político. E a Bancada Evangélica não é só uma dessas alas do protestantismo. Existem divisões e cizões muito marcantes entre elas. E dentre essas divisões e essas cizões surge, agora, duas possibilidades de líderes. Muito nós, por conta da mediatização e da forma estridente e elocante que o Malafaia fala, parece que só o Malafaia fala pelos evangélicos no Brasil, e não existe uma disputa para a liderança dos evangélicos nesse grupo.

Samuel Ferreira vs. Malafaia: Influência nas Igrejas e na Mídia

Domingos Ketelbey: Nesse sentido, em que posição, por exemplo, o Bispo Samuel Ferreira tá?

Makchwell: O Samuel Ferreira, nós temos duas questões. Ele tem mais influência nas igrejas do que o Malafaia. Entretanto, o Malafaia tem muito mais influência mediática no país, porque muitas pessoas que possam nos ouvir nesse momento não conheceriam o Samuel Ferreira, mas conheceriam o Malafaia. Dentro da Assembleia de Deus ele é muito mais respeitado do que o Malafaia.

Domingos Ketelbey: Um assembleiano, por exemplo, que tá nos ouvindo, vai conhecer muito bem o Samuel Ferreira. Vai estar falando que esses dois estão falando muito bem. Agora, da fronteira realmente o Malafaia.

Makchwell: Existe um jogo de interesses, né? Existe uma lógica de jogo de interesses. Quando você tem um grupo de evangélicos que traz muitos votos no país, se aliam à liderança evangélica e mediática, é muito vantajoso. Mas aqui nós temos uma questão que também é importante. Quando nós falamos dessas pautas que são pautas morais e de costumes, não são só os evangélicos. Você também tem grupos católicos que são grupos católicos conservadores—eu diria que algum deles até reacionários—que também se aliam essas pautas. E o Malafaia tem frequência nesses grupos.

Então eu diria, sem medo de errar nesse caso aqui, que o Malafaia é um agente político muito importante na lógica da democracia brasileira e da lógica eleitoral brasileira. Ele é alguém muito importante. Nós erramos muito em olharmos para o Malafaia apenas como líder religioso que trata política. Eu diria que é o inverso. Ele é um líder político que utiliza da religião.

Indicação Evangélica: Benefício Eleitoral e Questões de Gênero

Domingos Ketelbey: Lula indicando um ministro evangélico, ele fica bem na fita?

Makchwell: Olha, eu não diria que ele fica bem na fita com todos, mas ele se aproxima bem. Se aproxima muito de alas evangélicas importantes. Ele faz um gesto de aproximação que é um gesto político importante.

Domingos Ketelbey: Agora ele fica no seu centro público, porque aí, só complementando a minha pergunta, ele tem esse evangélico para agradar, mas também tem um movimento muito importante que praticamente o elegeu quatro anos atrás, que são as mulheres, que estão clamando uma indicação feminina na Corte que também tem pouca representatividade, três mulheres só desde que ela foi criada.

Makchwell: Olhando pela indicação de uma evangélica é uma estratégia política que o Lula faz. Entretanto, já deveria ter indicado uma mulher inclusive anteriormente falando, e obviamente ele vai ter que se justificar muito bem entre as mulheres, entre as suas eleitoras. Nós sabemos que a maioria das mulheres votaram no Lula nas últimas eleições, então ele vai ter que criar estratégias para justificar muito bem a não indicação de uma mulher para o STF.

Sobre Makchwell Coimbra

Domingos Ketelbey: Professor, obrigado pela boa entrevista, pela boa conversa. Muito obrigado mesmo. Como é que as pessoas podem te encontrar nas redes sociais? Você tem algum campo de estudo que você divulga os seus estudos?

Makchwell: Bom, é muito fácil me encontrar. Só ver meu nome aí. Acho que meu nome é muito único, né? Estou nas redes sociais e hora e outra estou fazendo vídeos. Eu tenho uma coluna que eu trato extrema direita e futebol em um portal Latina, que é o Ludopédio. Mas eu sempre estou fazendo palestras, refletindo e buscando entender esse jogo complexo da política, não somente apenas brasileira, mas esse jogo que muda cada instante e que diz muito às nossas vidas.

Domingos Ketelbey: Conto com sua audiência. Você que acompanhou aqui o Domingos Conversa, esse episódio, muito obrigado e até a próxima.

Sobre o Domingos Conversa

O Domingos Conversa é um podcast de entrevistas apresentado pelo jornalista Domingos Ketelbey, disponível nos principais tocadores de streaming (Spotify, Apple Podcasts, Amazon Music e YouTube) e também transmitido pela TV Capital. O programa traz conversas aprofundadas com lideranças políticas de Goiás e do Brasil, com foco nos bastidores do poder, nas contradições políticas e nos desafios da democracia brasileira contemporânea.

Produção e Equipe Técnica:

Apresentação e roteiro: Domingos Ketelbey

Edição, mixagem e design gráfico: Lucas Coqueiro

Styling: Tainara Maia

Suporte Técnico: Fabrizzio Ferreira

Trilha sonora original: Steven F Allen

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Domingos Ketelbey

É repórter, colunista e apresentador. Conecta os bastidores do poder, cultura e cotidiano na cobertura jornalística

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