O que poucos entenderam sobre o vídeo do Felca
O caso expõe mais o algoritmo que a pedofilia
14 de agosto de 2025 às 01:39
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Política
Na política, certos temas têm o poder de unir adversários improváveis. Foi o que aconteceu com a denúncia feita pelo youtuber e humorista Felca, que expôs casos de exploração e sexualização de menores nas redes sociais. Em poucos dias, parlamentares de campos ideológicos opostos disputavam espaço para apoiar o influenciador e propor ações legislativas.
O vídeo de 50 minutos que viralizou no início de agosto conseguiu algo raro: aproximou o bolsonarista Nykolas Ferreira (PL) da deputada Érika Hilton (PSOL), duas vozes que normalmente se enfrentam em qualquer debate. Também mobilizou a goiana Silvye Alves (União Brasil), que já se articula para levar Felca à Câmara dos Deputados.
A cena é incomum, mas revela uma distorção no debate. Enquanto os holofotes se voltam para discursos contra a pedofilia e propostas de endurecimento de penas, a mensagem central do vídeo vai além. Felca expôs como o próprio algoritmo das redes sociais estimula e lucra com a exposição sexualizada de crianças e adolescentes.
Nesse ponto, há uma confusão perigosa que parte do eleitorado e alguns políticos alimentam de forma deliberada. Regulação das redes sociais não é sinônimo de censura.
A diferença é clara para quem acompanha o tema, mas o assunto mexe com emoções e, por isso, muitos parlamentares que sabem da urgência da regulação evitam “mexer no vespeiro” por medo de perder votos.
Essa desinformação serve, na prática, para manter as plataformas sem regras rígidas e com ampla liberdade para lucrar em cima de qualquer tipo de conteúdo.
Não é apenas sobre punir indivíduos. É sobre enfrentar a engrenagem que transforma a exploração da infância em produto de alto engajamento. Plataformas digitais sabem disso, mas resistem a qualquer regulação que mexa em seu modelo de negócios.
A Lei das Big Techs, que poderia impor responsabilidades, continua travada, enquanto a política prefere gestos imediatos e de fácil comunicação.
Casos como o denunciado por Felca se repetem porque a lógica de recomendação das redes recompensa o conteúdo mais chamativo, mesmo quando envolve menores. Discutir só a prisão de quem publica é como punir quem acende o fósforo sem mexer na fábrica que o produz.
Ao surfar na onda, deputados podem até conquistar curtidas e manchetes. Mas, se quiserem realmente proteger crianças e adolescentes, precisarão enfrentar um adversário mais difícil que qualquer rival eleitoral: o lucro das grandes plataformas digitais.
Domingos Ketelbey
É repórter, colunista e apresentador. Conecta os bastidores do poder, cultura e cotidiano na cobertura jornalística
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