Lula joga xadrez com Trump e isola Bolsonaro
Encontro na Malásia redefine a relação entre Brasil e EUA e expõe o esvaziamento da direita brasileira
27 de outubro de 2025 às 09:41
·
Política
A imagem de Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump lado a lado, em Kuala Lumpur, tem o peso de uma cena política improvável e, justamente por isso, simbólica. Enquanto os dois presidentes posavam para as câmeras, Jair Bolsonaro assistia de longe, vendo ruir o protagonismo que seus aliados acreditavam manter junto à Casa Branca. O encontro, à margem da cúpula da ASEAN, serviu para recolocar o Brasil na mesa de negociações e, de quebra, para expor a solidão política do ex-presidente.
Lula esbanjou otimismo pós-encontro. Aposta que um acordo comercial será estabelecido dentro dos próximos dias e que após isso, “a vida continuará bela e alegre”. Ao dizer isso, o petista não falava apenas de tarifas e exportações, mas da própria recuperação de influência. Washington, sob Trump, impôs tarifas de 50% sobre produtos brasileiros e sancionou o ministro Alexandre de Moraes, um ato que, até aqui, parecia selar um distanciamento ideológico.
O petista, porém, apostou no pragmatismo que sempre o caracterizou: transformar adversários em interlocutores e tensões em oportunidades. Para o entorno bolsonarista, a cena foi dura de engolir.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro, que havia articulado o “tarifaço”, virou motivo de chacota no Planalto, tratado como cabo eleitoral de Lula. Enquanto ele corria às redes para questionar “o que se passou a portas fechadas”, ministros do governo petista celebravam o reencontro diplomático.
Um aliado de Bolsonaro reconheceu, à jornalista Andreia Sadi da GloboNews, que Lula “ocupou o espaço de interlocutor com Trump”, justamente o que a direita tentou preservar. Até Tarcísio de Freitas, visto como nome mais moderado, foi minado por Eduardo quando tentou aproximar empresários dos EUA.
Em Brasília, a avaliação é que Lula aproveitou o momento para capitalizar o isolamento da extrema-direita e se firmar como a ponte possível com Trump. O petista, que chegou a dizer que Bolsonaro “pertence ao passado da política brasileira”, deixou claro que a reconstrução das pontes internacionais passará por ele.
Enquanto Trump tenta aliviar o impacto econômico das tarifas sem parecer recuar, Lula colhe os dividendos políticos: posa como estadista, reposiciona o Brasil e, de quebra, transforma a crise comercial em cena de vitória simbólica sobre seu maior antagonista.
Se a vida continuará “bela e alegre”, como disse o presidente, talvez dependa menos das tarifas e mais da habilidade de Lula em converter encontros improváveis em capital político. No tabuleiro global, e especialmente no interno, ele mostrou que ainda é mestre em surpreender adversários.

Domingos Ketelbey
É repórter, colunista e apresentador. Conecta os bastidores do poder, cultura e cotidiano na cobertura jornalística
Continue a leitura





