Fundador do MBL, Fernando Holiday diz que grupo 'traiu o próprio passado' e diz que discussão sobre sucessão de Bolsonaro é desrespeito
Ex-integrante diz que o movimento abandonou suas origens conservadoras e virou “anti-bolsonarista”
2 de novembro de 2025 às 15:37
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Política
O ex-vereador por São Paulo, Fernando Holiday (PL), afirmou em entrevista exclusiva ao Blog Domingos Ketelbey que o maior desafio da direita nas eleições de 2026 será reorganizar suas bases e retomar o protagonismo diante da recuperação política do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Segundo ele, o foco deve estar na formação de bancadas fortes no Congresso Nacional. “A direita precisa ter um enfoque muito grande no Senado, não só por conta das discussões que possam vir a envolver impeachment de ministros do Supremo, mas também por uma verdadeira reformulação da segurança pública”, afirmou.
Holiday também disse acreditar na possibilidade de reversão da inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e classificou como “falta de respeito” qualquer debate sobre sucessão dentro do campo bolsonarista. “O recurso está com o ministro Luiz Fux, que já se posicionou contra diversas decisões de Alexandre de Moraes. É um caminho possível, e a direita deve insistir até o final”, defendeu.
O ex-vereador avaliou ainda o cenário político de Goiás, onde o deputado federal Gustavo Gayer (PL) deve disputar o Senado. “Acredito não só que ele deva ser candidato, como tem enorme potencial. Goiás acaba sendo um exemplo pra direita no resto do Brasil”, afirmou.
Crítico do Movimento Brasil Livre (MBL), grupo que ajudou a fundar, Holiday disse que o movimento perdeu coerência ideológica e se tornou “um grupo interesseiro que vai ao sabor dos ventos”. Ele acusou seus antigos colegas de priorizar interesses financeiros e de se aproximar do sistema político que antes combatiam, ao tentar criar um novo partido o Missão. “Eles abandonaram defesas históricas, como privatizações, e se transformaram num movimento pró-Alexandre de Moraes e pró-Gilmar Mendes”, disparou.
Por fim, Holiday avaliou a pré-candidatura presidencial do governador Ronaldo Caiado (União Brasil), afirmando que, embora tenha “feito um bom governo em Goiás”, o goiano “não tem expressão nacional”. “Não acredito e não me parece, nesse momento, que seja uma candidatura que vá vingar lá na frente”, concluiu.
LEIA A ENTREVISTA NA ÍNTEGRA DO EX-VEREADOR DE SÃO PAULO, FERNANDO HOLIDAY:
Domingos Ketelbey: Qual é o principal desafio da direita nesse período pré-2026, um período em que nós vemos o presidente da República gradativamente recuperar um pouquinho do fôlego e minimamente ficar bem posicionado nas pesquisas?
Fernando Holiday: Eu acho que 2026 vai ser um grande desafio, mas principalmente por conta do Senado Federal. Acho que a disputa pela presidência ainda tem vários questionamentos, tem várias dúvidas em suspenso. Os próprios recursos do presidente Bolsonaro no STF ainda podem ser julgados, podem reverter todo o processo. Por outro lado, a disputa pro Senado, ao meu ver, já começou e já começou principalmente nos estados aqui do Centro-Oeste, do Sudeste e do Sul, e acho que isso pode mudar a configuração do Brasil na próxima década. Eu acho que a direita precisa ter um enfoque muito grande no Senado, não só por conta das discussões que possam vir a envolver impeachment de ministros do Supremo, mas também por conta de uma verdadeira reformulação da segurança pública, ainda mais agora que nós estamos tendo essa discussão toda envolvendo o Rio de Janeiro. Então acho que 2026 já começou.
Domingos Ketelbey: A esperança, então, é que haja uma reversão nesse quadro de inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro?
Fernando Holiday: Olha, me parece que nós ainda não utilizamos todas as armas à disposição que a legislação nos oferece para tentar reverter a inelegibilidade do Bolsonaro. Inclusive, eu considero uma imensa falta de respeito qualquer discussão sobre algum tipo de sucessão ou candidato no lugar dele, enquanto ainda é possível alguns tipos de recurso. Inclusive, o recurso desse caso está com o ministro Luiz Fux, que já se posicionou recentemente contra diversas decisões de Alexandre de Moraes. Então, acredito que ainda é um caminho possível que a direita e o próprio PL devem insistir até o final.
Domingos Ketelbey: Você disse que o quadro pro Senado em alguns estados, como Goiás, já está bem definido. Como é que você, lá de São Paulo, acompanha esse debate especificamente aqui de Goiás?
Fernando Holiday: Olha, eu vejo aqui em Goiás, por exemplo, uma liderança muito forte, que é de Gustavo Gayer. Eu, particularmente, acredito não só que ele deva ser candidato ao Senado, como acredito que tem um enorme potencial. E, ao mesmo tempo, quando nós temos um estado com uma liderança tão forte assim, ele não vai sozinho. Ele vem com diversas outras lideranças, acredito que vai eleger e vai ajudar a eleger diversos deputados estaduais, diversos deputados federais. Então, eu acredito que Goiás acaba, nesse sentido, sendo um exemplo pra direita no resto do Brasil.
Domingos Ketelbey: Você nasce do berço ali do MBL. O MBL hoje tem construído, tem formatado, tem tentado construir um novo partido no Brasil, o Missão. Você tem acompanhado esse processo? Como é que você vê essa tentativa de construção desse novo partido?
Fernando Holiday: Olha, um dos desafios do MBL, ainda na época que eu estava lá, era sempre buscar uma institucionalização e, principalmente, eles se preocupavam muito com uma forma de financiamento fixa. Me parece que a busca deles por um partido agora é mais um interesse financeiro — e aqui sem fazer nenhum tipo de juízo de valor, há pessoas que simplesmente não se importam com isso — mas me parece que esse é o principal objetivo. Tanto que é um partido que cresce sem nenhum tipo de ideologia específica. Eles abandonaram defesas de diversas pautas históricas, como, por exemplo, a defesa de privatizações, e abandonaram também as suas origens mais conservadoras. Recentemente você teve o Kim Kataguiri dizendo que o Bolsonaro tem que ir pra cadeia mesmo, independente da sua situação de saúde. Então, me parece que aquele grupo originário, do qual eu fiz parte há muitos anos atrás, que tinha uma ideologia e uma visão de país, ele não existe. É um grupo interesseiro que vai ao sabor dos ventos e o partido vai ser a institucionalização disso. Muito provavelmente vão conseguir, afinal de contas, estão defendendo o interesse do sistema.
Domingos Ketelbey: Você acha, então, que em 2026 nós vamos ter um novo partido, o Missão vai conseguir todas as assinaturas? O processo de registro é muito complicado. O ex-presidente Jair Bolsonaro tentou fazer isso no período pré-eleitoral de 2018 e não conseguiu.
Fernando Holiday: Eu acho que às vezes a gente tem a tendência de acreditar que o processo é extremamente técnico, quando na verdade não é. É um processo extremamente político. Acho que a grande dificuldade do presidente Bolsonaro, evidentemente, não foi o apoio popular. O apoio popular ele tem aos montes até hoje, tinha na época e continua tendo, mas as pautas que o presidente Bolsonaro defendia e defende até hoje incomodam e muito o sistema, incomodam o poder judiciário. E isso, ao meu ver, dificultou o avanço da formação do Aliança. Por outro lado, o MBL, que era um grupo conservador que defendia a liberdade, defendia o nosso direito de se expressar, mudou completamente de atitude, se transformou em um movimento anti-bolsonarista, pró Alexandre de Moraes, pró Gilmar Mendes, e obviamente acho que isso deixa o caminho muito mais fácil pra eles, mesmo tendo muito menos apoio popular.
Domingos Ketelbey: Você faz uma crítica aqui ao Kim, que foi seu aliado, seu parceiro político por muito tempo. Fica mágoa com o MBL? Como é que é sua relação hoje com o grupo?
Fernando Holiday: Olha, eu acho que o sentimento inicial foi de decepção e de tristeza, quando essas discordâncias começaram a aparecer, mas hoje o sentimento, eu diria, é de indignação mesmo. Indignação porque eles se utilizaram do momento histórico que nós estávamos vivendo com o impeachment da Dilma pra se transformar em um grupo e hoje pegaram tudo isso e jogaram na lata do lixo pra conseguir alguns cargos. Então, eu acho que isso realmente é de se indignar.
Domingos Ketelbey: Só pra gente encerrar, voltando à discussão, você faz uma avaliação e fala que é até um desrespeito pensar em sucessão à direita, sucessão do ex-presidente Jair Bolsonaro nesse atual momento. Mas é um momento em que a esquerda trabalha com o nome do presidente Lula e não há, parece, outro nome ali. Há uma união desde o PT ao PSOL e a várias áreas, a alas dentro desses partidos. Na direita, a gente vê uma série de nomes tentando buscar esse espólio que você disse que é um desrespeito. Essa falta de definição dentro do campo da direita, do campo bolsonarista, não favorece o presidente Lula?
Fernando Holiday: Com certeza. Acho que não só esse cenário de confusão, como o próprio silêncio do presidente Bolsonaro. Eu acho que a grande vitória do sistema, do centrão e de todos aqueles que não querem o crescimento da direita no Brasil, a grande vitória deles foi conseguir calar o presidente Bolsonaro, que a partir do momento que o principal líder da direita não consegue falar, as demais lideranças e o eleitor como um todo fica confuso. E aí diversas outras pessoas aproveitam pra se lançar como pré-candidato a presidente, pré-candidato a isso e aquilo, sem ninguém saber exatamente se aquela pessoa tem, de fato, o apoio do presidente Bolsonaro. Acho que nesse momento a direita ela sai sim prejudicada por conta dessas decisões judiciais, mas eu acredito também que dá tempo de reverter.
Domingos Ketelbey: O que tem que ser feito até lá? Só pra gente encerrar esse bate-papo, essa entrevista. Como é que a direita deve se posicionar ao longo desses próximos nove meses? Porque a eleição já está aí. Olha isso, um ano, um ano já vai ter acontecido, a gente está falando hoje no começo de novembro, daqui a um ano os dois turnos já vão ter rolado.
Fernando Holiday: Sim. Eu acho que nesses próximos meses o nosso enfoque deve ser na configuração local, porque independente de ser o próprio presidente Bolsonaro candidato ou alguém que ele indique, nós precisamos ter as bases locais bem estruturadas. Precisamos ter definidos os nossos candidatos ao Senado, candidato ao governo, candidatos a deputado, que no fim são aquelas pessoas que vão na rua, no chão de fábrica, digamos assim, fazer a campanha para esse candidato a presidente. Então, acho que o nosso enfoque nos próximos meses deve ser esse.
Domingos Ketelbey: Só pra encerrar, aqui em Goiás nós temos um candidato, um governador que se apresenta como pré-candidato. E eu não poderia deixar de fazer essa pergunta. Como é que você vê essa pré-candidatura do governador Ronaldo Caiado, que se apresenta, que busca esse espólio do ex-presidente Jair Bolsonaro?
Fernando Holiday: Olha, não é a primeira vez que o Caiado tenta seguir por esse caminho. Me parece que ele tem feito, pelo que eu acompanho de longe, um bom governo em Goiás, mas não tem uma expressão nacional. De todos aqueles que se apresentaram até agora, eu diria até que ele é o que menos tem um conhecimento nacional. Não acredito e não me parece, nesse momento, que seja uma candidatura que vá vingar lá na frente.

Domingos Ketelbey
É repórter, colunista e apresentador. Conecta os bastidores do poder, cultura e cotidiano na cobertura jornalística
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