Crise das maternidades vira campo de batalha entre Prefeitura, Fundahc e médicos
Crise da saúde materna escancara disputa de narrativas e revela ausência de coordenação na troca de gestão
22 de agosto de 2025 às 20:23
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Política
Goiânia transformou a saúde materna em palco de uma disputa política e administrativa em que sobram acusações e falta responsabilidade. A suspensão de atendimentos na Maternidade Nascer Cidadão, nesta semana, é apenas o sintoma mais visível de um sistema que entrou em colapso e passou a ser usado como munição no embate entre Prefeitura, Fundação de Apoio ao Hospital das Clínicas (Fundahc), Universidade Federal de Goiás (UFG) e órgãos de classe.
De um lado, a Secretaria Municipal de Saúde corre para dizer que nada saiu do controle. Em nota oficial, a pasta informou que mantém urgências, consultas ambulatoriais e pacientes internados, redirecionando gestantes sem risco imediato para outras unidades. Mais do que isso: fez questão de usar a paralisação como prova de que o atual modelo de gestão está esgotado e precisa ser substituído, às pressas, por organizações sociais contratadas em caráter emergencial.
O Cremego, que deveria se ocupar da boa prática médica, entrou em cena como fiscal da catástrofe. O conselho oficiou a Prefeitura e avisou ao Ministério Público que a falta de anestesiologistas inviabiliza partos e cirurgias. Soa como novidade aquilo que médicos, pacientes e gestores sabem há meses: a rede municipal está entregue à improvisação.
A Fundahc, responsável pelas maternidades até o fim de agosto, respondeu com dureza. Admitiu a restrição temporária de serviços, mas garantiu que eles seriam retomados ainda nesta sexta-feira. No contra-ataque, acusou a Prefeitura de sequer ter um “planejamento claro” para a troca de gestão e lembrou da dívida de R$ 158,5 milhões não quitada. Em outras palavras: se há caos, parte dele foi fabricado pelo próprio Executivo, que cortou repasses e agora aponta a fundação como culpada.
O prefeito de Goiânia Sandro Mabel (UB) insiste que “acabou o tempo das vacas gordas” e que não vai pagar a conta deixada por Rogério Cruz (SD). Com isso, veste o figurino de gestor austero e transfere a fatura de uma crise acumulada há anos.
A cereja do bolo é que as três organizações sociais contratadas para substituir a Fundahc vêm de fora de Goiás, Mato Grosso e São Paulo, e chegam à capital sem histórico local, justamente num momento em que até a própria fundação denuncia a transição sem roteiro definido. Um governo que alega “planejamento” aposta em gestores importados e num contrato emergencial, sem clareza de como será a etapa seguinte.
Mabel, garante confiar que vão dar conta do recado. “São gente experiente que já gerenciam muitas maternidades, eles vão rapidamente fazer, dar um andamento, como nós esperamos que andem essas maternidades”, disparou numa coletiva com jornalistas.
O resultado é que gestantes pobres de Goiânia se veem obrigadas a peregrinar por unidades que funcionam no limite, sem saber quem, afinal, responde pelo parto que deveria ser direito básico. Enquanto SMS, Fundahc e Cremego disputam versões e culpados, a vida de mães e bebês é tratada como detalhe.
Se a troca de gestão pelas OSs vai melhorar os serviços, ainda não se sabe. O que já está claro é que a crise expôs a face mais cruel da política local: uma cidade em que a maternidade pública virou campo de batalha, e onde o discurso de “mudança” parece servir mais como álibi do que como solução.
Domingos Ketelbey
É repórter, colunista e apresentador. Conecta os bastidores do poder, cultura e cotidiano na cobertura jornalística
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